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Actualizada em
14/01/14
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Sobre drogas

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Novembro de 2006

Achegamos em galego o texto intitulado Sobre drogas que foi recentemente publicado no portal do Colectivo Boltxe polo militante da esquerda independentista basca Iñaki Gil de San Vicente.

Num momento no que o capitalismo lançou umha dura ofensiva ideológica no terreno do relacionamento entre jovens e drogas é fundamental que o movimento juvenil galego se forneza das ferramentas teóricas para combatela, achegando umha nova praxe nesta fulcral questom.

Sobre as drogas
(Iñaki Gil de San Vicente)

Há muito pouco apareceram na imprensa notícias sobre questons relacionadas com a produçom, partilha e consumo de algumhas drogas. Vimos, por exemplo, que as grandes indústrias farmacéuticas, que fabricam milhons de doses de drogas legalizadas, gastam o dobro de dinheiro na promoçom dos seus produtos do que na investigaçom de outros novos, melhores e mais baratos. Lemos, por um lado, análises que relacionam diretamente a exploraçom laboral com o stress e os acidentes de trabalho, e sabemos que estas situaçons tendem a gerar diversos graus de drogodependência; e por outro lado, análises que mostram como as mulheres maltratadas e violentadas tendem a refugiar-se na medicina de cabeceira para procurar paliativos a suas dores -calmantes de todo o tipo- sem luitar contra as causas que os criam. Outras muitas notícias certificam a piora da saúde “mental” das pessoas. No entanto, os grandes produtores de álcool etílico europeu estám preocupados pelo aumento da concorrência em quantidade e qualidade da produçom mundial: vam perdendo postos no mercado do alcoolismo.

Outros fabricantes estám preocupados polo aumento da concorrência na produçom de ópio, de coca, etc., porque com umha demanda mundial à alça, a drogodependência é um ramo produtivo de muito alto benefício. Além do mais, deixando a um lado os benefícios das drogas legais, o branqueo do dinheiro ilegal beneficia por agora mais aos EEUU, que som os maiores consumidores do mundo em toda a droga, polo que a UE lançou o bilhete de 500 euros para aumentar sua concorrência no branqueo mundial mediante a emissom a mais dinheiro a peso, em bilhete directo, nom eletrónico e por isso mais escorregadio para os controlos fiscais e policiais, quando decidem persegui-lo. Trata-se dumha briga mais em todo o longo circuito da parte do capitalismo que chama “criminoso”, como se a exploraçom salarial nom o fosse.

As notícias que vimos acima tratam sobre as questons internacionais das drogas mas há outras muitas sobre as suas vertentes mais próximas. Por exemplo, que na desarticulaçom dumha rede internacional de tráfico se detivo a um hertzaina, ou que se tem cuadruplicado o consumo de coca entre a juventude do Estado espanhol ao mesmo tempo que se disparou a ingesta de álcool, ou que o capitalismo espanhol é o que mais uso relativo faz dos bilhetes de 500 euros, estreitamente relacionados com a economia submersa e “criminosa”, com o narcoimperialismo, ou que esta mesma economia se sustenta em grande parte no balom financeiro-imobiliário também muito relacionado com todo o anterior, ou que é precisamente a Comunidade Autónoma Basca a que tem umha política fiscal mais reaccionária, lassa e tolerante para os fraudadores do fisco, o que facilita a impunidade nos negócios turvos e escuros, ou que precisamente seja na CAV onde som mais baratos os preços das drogas ilegais sendo a zona de Europa com mais controlo policial por habitante.

Iniciamos assim este articulinho sobre as drogas, expondo as questons mais aparentemente “exteriores” do problema, porque o mais frequente é começar e acabar falando do consumo de drogas ilegais pola juventude e por outros setores da populaçom sem enquadrá-lo nem contextualizá-lo em modo algum. É óbvio que se há demanda de drogas, as que sejam, é porque estas produzem efeitos que podem suprir determinadas carências, paliar determinadas dores e sofrimentos e gerar situaçons de relativo e fugaz bem-estar numha existência insuportável. Sabemos que muitas espécies animais consomem certas drogas. Sabemos que o seu uso em povos “primitivos” está dentro dum contexto totalmente diferente ao capitalista; sociedades que tenhem outros critérios de existência, justiça no sentido actual, produçom e distribuiçom, e também e sobretodo, outro regime de propriedade das forças produtivas, que som colectivas, isto é, que nom malviven sob a propriedade privada burguesa. Nestas sociedades a ingesta de drogas está dentro das suas normas sociais como instrumentos de coesom e interaçom colectiva, rituais de iniciaçom, festejos, etc., ainda que sejam em certa forma monopolizadas pelos bruxos e depois pola casta sacerdotal, que no entanto nom é a classe proprietária e exploradora.

A grande mudança se começa a produzir quando a extensom da economia mercantil vai rompendo a relativa unidade anterior, e quando, além do mais, de ir surgindo a opressom, exploraçom e dominaçom interna começa a surgir também e simultaneamente a ditadura cega e incontrolável do mercado sobre o ser humano, quando este passa de ser sujeito agente a sujeito paciente, e termina sendo com o capitalismo mero objeto. A famosa “mao invisível” do mercado substitui parcialmente nas nossas sociedades à vontade “inescrutável de deus”. A diferença estriba em que à primeira nom se lhe pode controlar e nem sequer tentá-lo, enquanto se pode tentar influir nos desígnios da segunda mediante oraçons , oferendas, sacrifícios, etc. Frente ao poder enorme do mercado apenas ficam três soluçons: a submissom incondicional, as tentativas de reforma do mercado, ou a revoluçom. É por isto que nas sociedades mercantilizadas, muitas pessoas que nom podem assumir a sua “sorte” -a imposta pola luita de classes, em última instáncia- mas também nom querem ou podem enfrentar-se ao sistema, terminam recorrendo a algumha classe de drogodependência ou a várias delas ao mesmo tempo. Enquanto que as pessoas que continuam crendo do seu deus correspondente se limitam à sua droga espiritual, ainda que também muitos a reforçam com outras materiais.

Umha leitura coidadosa da crítica de Marx à religiom como ópio do povo nos seus primeiros escritos, nos demonstrará que, no essencial, os seus argumentos continuam sendo válidos nom apenas para a luita dos ateus militantes contra o terrorismo ético-moral da religiom na actualidade, como se comprova no pior de todos, o fundamentalismo cristao do imperialismo ianque, que há que diferenciar do fundamentalismo de resposta, defensivo, dos povos muçulmanos, mas também, ao mesmo tempo, como crítica das causas estruturais que cada dia afundem mais milhons de seres humanos na drogodependência material. Exceptuando determinados casos como necessidade de paliar a dor nas doenças, uso consciente e controlado da ingesta de drogas até o limite do qual nom se pode passar sob risco de descontrolamento, etc., no resto de práticas sempre se pode acabar caindo no vazio da dependência. Som os sistemas de controlo social preventivo que tem a sociedade burguesa os encarregados em vigiar que nom se produzam essas quedas. A família, a escola e a universidade, o sistema sanitário, a polícia e, em general, a ordem social quotidiana, vigiam com maior ou menor atençom o comportamento da gente, da sua gente, para que nom se saia da lei da produtividade do trabalho, isto é, para que mal que bem essas pessoas sigam produzindo a maior mais-valia possível ou ajudando a que outros o fagam, ou preparando-se para isso. Essa mesma sociedade tam controladora tem as suas válvulas de segurança que permitem que, em determinadas datas ou de vez em quando, o pessoal descarregue as suas frustraçons, medos, agressividades e fracassos mediante certos canais institucionalizados ou tolerados, desafogo que ainda gera um benefício extra a certas fraçons burguesas.

Estamos falando do grosso da populaçom, da maioria que se limita a trabalhar e a consumir, ou só a consumir o que lhes pom diante, seja umhas pastilhas tranqüilizantes para nom estoirar e apunhalar ao marido ou ao patrom, ou umha dose matutina de excitantes para pegar forças do nada e começar a produzir, passando pola amplíssima gama de drogas legais intermédias de uso comum. Som legais porque sem elas se ressentiria de imediato a taxa de benefício, que começaria a descer, e a ordem social que começaria a ceder ante o mal-estar psicosomático crescente. A sua legalizaçom facilitam tanto o seu massivo e normal distribuiçom a toneladas como os benefícios extras que obtenhem em primeiro lugar as farmacéuticas ou outras empresas, como tabaqueiras e as do álcool, e, muito de perto, o sistema no seu conjunto. A sua ilegalidade dificultaria muito estes lucros vitais para maior glória da civilizaçom ocidental, ainda que obviamente permitiria imensos benefícios extras às fracçons burguesas que se movem no narcoimperialismo, etc., que se lançariam como hienas ao negócio ilegal de toda classe de fármacos, álcoois, tabacos, etc.

Os escravos felizes som os que se movem precisamente neste nível em massa de obediência passiva, de ingesta habitual do que devem tomar para seguir produzindo -desde trabalhadores até desportistas, passando por donas de casa, polícias e militares, estudantes e altos executivos...- e comportando-se dentro dos limites admitidos polo poder. Sempre que nom se saiam deles, que som variáveis segundo a posiçom social de cada pessoa, o sistema tolera e até justifica o consumo de drogas, inclusive de ilegais como a normalidade do uso de cocaína para render mais no trabalho. Nos escravos felizes este consumo vai dentro da totalidade de cousas que devem fazer-se porque assim está estabelecido, e o seu cumprimento lhes gratifica e tranqüiliza, dá-lhes essa segurança que provém das cadeias invisíveis que oprimem a nossa personalidade no mais profundo de suas bases inconscientes e irracionais. O medo à liberdade inoculada polo sistema mediante a educaçom familiar, escolar, etc., vê-se assim reforçado precisamente graças à aparente liberdade -falsa liberdade- de consumir drogas que oficialmente estàm proibidas, mas admitidas em determinados supostos.

A diferença entre o escravo feliz e o infeliz radica em que o segundo sente um surdo rejeitamento da ordem, rejeitamento que nom é vivido conscientemente mas que sim se plasma em certas práticas que podem ir desde pequenas acçons mal visíveis até fugazes estalidos de protesto social. A sociologia ianque estudou esta realidade tanto desde o funcionalismo como desde a teoria da conflictividade, sempre em pos de como integrá-la ou reprimi-la; também o fixo e muito a psicologia e a psiquiatria quanto disciplinas de controlo; a sociologia francesa criou a tese da anomia para explicar parte destes comportamentos sem ter que recorrer às contradiçons sociais, etc. Mas o marxismo nom é em modo algum sociologia, ainda que os marxistas devamos conhecer e dominar a sociologia quanto método burguês. Desde a teoria marxista da consciência de classe, trata-se da existência desse amplo campo intermédio entre a ideologia burguesa e a consciência revolucionária, espaço multiforme no que, para além de livrar-se umha permanente luita interna entre o alinhamento e as contradiçons objetivas, também e por isso mesmo surgem comportamentos que vam desde a extrema direita nazifascista até a conscientizaçom revolucionária. O escravo feliz nom sofre as tensons inerentes a este mundo senom que toda sua vida se move na tranqüilidade alienada que outorga o apaziguamento.

Os escravos infelizes som mantidos no seu doloroso mundo graças à mescla entre drogas, alienaçom e medo, porque as primeiras silenciam e tampam os gritos do terceiro, e o alinhamento justifica tanto o servilismo diário como a ambas as duas. Sabemos que as drogas produzem desde a desinibiçom do álcool até a placidez passiva do ópio passando polos momentos de actividade ou calma induzidas para assegurar a obediência à ordem capitalista. Os grandes espetáculos de massas da indústria desportiva servem aqui como sumidoiros muito efetivos, ao igual que o consumismo sexual machista o fai a nível individual, ou outras formas intermédias, todas elas comercializadas ilegal ou legalmente por diversas fracçons burguesas. Os escravos infelizes agitam-se com mal-estar neste universo de contradiçons nom assumidas criticamente polo que sempre está viva a necessidade de umha falsa soluçom transitória que nom é outra que qualquer classe de droga, seja a receitada pola indústria sanitária, seja a oferecida pola indústria das drogas comerciais ou polo narcoimperialismo. Voltamos assim ao começo deste artigo, quando figemos um muito rápido repasso de algumhas das última notícias sobre a objetividade inegável dos condicionamentos estruturais que determinam o problema que analisamos à margem das nossas apetências individuais.

Somente a praxe revolucionária pode garantir a possibilidade de que o escravo deixe de sê-lo e se transforme numha pessoa livre, crítica e capaz de controlar ela mesma o uso prazenteiro das drogas, dominando os seus efeitos e conhecendo os seus limites, dentro dumha vivência colectiva e desmercantilizada.